Somos Campeões, e agora? – o caso do Futebol de Praia

André CoroadoFevereiro 12, 201811min0

Somos Campeões, e agora? – o caso do Futebol de Praia

André CoroadoFevereiro 12, 201811min0
Após a vitória portuguesa no euro de futsal, avaliamos a forma como Portugal aproveitou o título mundial de futebol de praia para desenvolver a modalidade.

É a euforia total! Portugal sagrou-se campeão europeu de futsal no passado Sábado em Liubliana ao vencer a Espanha na final por 3-2 após prolongamento, vencendo assim o seu primeiro grande título internacional da modalidade, num momento histórico que reafirma a supremacia lusa nas diversas variantes futebolísticas. O ceptro conquistado na capital eslovena já acompanha a taça do Euro 2016 alcançada pela selecção de futebol de 11 em Paris e o troféu de Campeão Mundial FIFA vencido pela selecção nacional de futebol de praia nas areias de Espinho em 2015, num museu cada vez mais recheado da FPF. A selecção de futsal, à semelhança do que acontecera com as congéneres de outros palcos, foi recebida pelo Presidente da República e o momento festivo vivido a preceito em Liubliana alastrou a toda a metrópole numa justa e apropriada celebração da portugalidade!

É neste momento que urge reflectir sobre o futuro do futsal em Portugal, no sentido de tirar partido deste momento histórico para impulsionar decisivamente a modalidade no nosso país e assegurar a manutenção da selecção e das equipas portuguesas no topo, numa perspectiva de longo prazo. Esta reflexão é importante por forma a evitar que a euforia inicial dê lugar a uma relaxação nociva ao desenvolvimento, perdendo-se o impacto extremamente positivo que tal conquista está a produir. Neste contexto, e tendo em conta as ainda recentes conquistas lusitanas no futebol de praia, fazemos o balanço da forma como os títulos atingidos nos areais (nomeadamente o Mundial de 2015, mas também a Liga Europeia e a Taça da Europa que se lhe seguiram) influenciaram a atenção concedida ao futebol de praia em Portugal e o investimento no progresso da modalidade a nível nacional, numa perspectiva de discernir os exemplos a seguir e os erros a evitar.

Selecção Nacional manteve linha

Em primeiro lugar, podemos afirmar seguramente que Portugal manteve (e reforçou em certa medida) o estatuto de superpotência mundial que vincou de uma forma muito particular no ano de 2015. Efectivamente, apesar de os troféus conquistados no último ano e meio terem sido porventura escassos para uma equipa recentemente coroada campeã mundial, o nível exibicional continua muito elevado e a selecção comandada por Mário Narciso marca assiduamente presença nas finais das competições que disputa (Liga Europeia em 2016 e 2017, Mundialito em 2016 e 2017 e Taça Intercontinental em 2017). As boas prestações, reflectidas nos resultados de alto nível alcançado espelham a seriedade e dedicação com que jogadores e equipa técnica deram continuidade ao trabalho há muito iniciado, mantendo a atitude em face do trabalho que caracterizou e tornou possíveis as conquistas celebradas em 2015.

Também é importante destacar a periodicidade dos trabalhos da equipa das quinas, que tem realizado estágios de preparação mesmo durante os meses sem competição, possibilitando por um lado a expansão do leque de jogadores seleccionáveis e, por outro, a realização de um trabalho colectivo contínuo que complementa a preparação física e técnica individual dos jogadores. Este trata-se, sem dúvida, do primeiro grande exemplo a seguir para qualquer outro conjunto português que almeja alcançar e dar continuidade ao sucesso.

Ainda acerca do que foi feito ao nível da selecção nacional, não pode deixar de ser concedida uma palavra de apreço pela progressiva integração nas convocatórias de jogadores que não constaram da geração campeã mundial de 2015. A introdução de caras novas e alguns regressos nos estágios, mas sobretudo nas competições internacionais, tem possibilitado que jogadores jovens com grande potencial possam evoluir enquanto contribuem para uma renovação sustentada do plantel nacional. Referimo-nos naturalmente à inclusão com êxito inequívoco de Ricardo Baptisa, Pedro Vasconcelos Silva, João Gonçalvez (Von) e Duarte Vivo nos torneios disputados por Portugal, mas também à realização de um estágio destinados a jogadores mais jovens no passado mês de Dezembro, estudando a possibilidade da criação de uma selecção de sub-21.

No nosso entender, trata-se de um passo muito importante, sobretudo num momento em que diversos outros países europeus com uma classificação no ranking inferior à de Portugal começam a realizar esse investimento, no entanto peca claramente por tardia. A renovação sustentada deve tratar-se de um processo contínuo, independentemente dos títulos conquistados, de forma a possibilitar que os novos jogadores estejam aptos para substituir os mais veteranos no momento em que decidam retirar-se. Naturalmente que, para uma grande competição, a escolha deverá sempre recair sobre os atleta que dêem mais garantias à equipa técnica.

Não obstante, a procura de jogos e competições onde jogadores mais jovens possam ganhar a experiência necessária em contexto de selecção é um trabalho fundamental que nunca deve ser descurado. Felizmente, entre 2015 e 2017, assistimos a um reforço dessa linha de trabalhos, pelo que as perspectivas para uma continuação desse caminho salutar em 2018 são as mais optimistas.

Quadros competitivos estagnados

Todavia, o maior e mais determinante investimento numa modalidade tem de ser realizado a nível interno, a partir das bases. No futebol de praia, o campeonato nacional e o campeonato de elite são a face visível dessa realidade interna, que desde 2015 até ao momento mudou muito pouco. É certo que progressos notáveis foram realizados entre 2012 e 2015, com a criação e expansão de um campeonato que, no ano do sucesso de Espinho, se dividiu em 2 divisões e contou com mais de 30 participantes. No entanto, não é menos verdade que os obreiros das conquistas mundial e europeia desse ano não foram jogadores saídos do campeonato nacional – o que só começou a acontecer agora com as novas chamadas.

A razão prende-se com o facto de os quadros competitivos serem manifestamente insuficientes para um país que pretende estar na linha da frente no que a futebol de praia diz respeito. Acima de tudo, é preciso criar condições para que um maior número de equipas abrace e invista na modalidade enquanto algo sério e para que o número médio de jogos realizados por equipa numa temporada seja alvo de um incremento considerável, por forma a conferir aos clubes e jogadores as condições para pque possam verdadeiramente evoluir.

No seguimento desta ideia, frisamos alguns pontos que nos parecem essenciais. Antes de mais, temos de assumir que não é possível, para equipas compostas por jogadores sem qualquer experiência internacional, atingir um nível competitivos suficientemente elevado ao cabo de 10 jogos para poderem rivalizar com as equipas constituídas por internacionais e para que os seus elementos passem a ser considerados seleccionáveis. Assim, o modelo actual não só torna o desfecho previsíveil, com uma final entre os poderosos Sporting e Sporting de Braga (ainda mais apetrechados na fase final com talentos internacionais de outros países), como também restringe cada vez mais o grupo de potenciais convocados da selecção por não lhes providenciar as condições competitivas necessárias (ao passo que os internacionais conseguem manter-se em actividade representando outros clubes no estrangeiro ou levando os seus clubes a competições internacionais onde possam defrontar emblemas de outras nações).

Além disso, torna-se muito pouco atractivo para um clube que ainda não tem futebol de praia aderir à modalidade, atendendo a que a fase regular do campeonato nacional se compõe de cerca de 8 jogos realizados no Verão, muitas vezes demasiado espaçados (apenas um jogo por fim-de-semana), e sabendo que não existe qualquer visibilidade/retorno financeiro. Este tem constituído um grande obstáculo também ao nível da primeira divisão, onde os jogos não contam com qualquer transmissão televisiva ou cobertura mediática até à fase final, onde mesmo assim a projecção é praticamente inexistente. Relativamente aos quadros competitivos, cabe à FPF, mas sobretudo às associações distritais, o papel de inverter a situação. É, na nossa opinião, incompreensível a forma como se fala todos os anos de uma eventual Taça de Portugal, que acaba por nunca existir.

Também não podemos aceitar a quase total ausência de competições ao nível distrital, no âmbito do qual se destaca pela positiva o campeonato organizado desde 2014 pela AF Lisboa, ainda assim manifestamente insuficiente. Boas notícias chegaram, no entanto, em 2018, com a organização da Liga Marvila, por iniciativa do Clube Futebol de Chelas e em parceria com a AF Lisboa, e com as novas regras que impedem a utilização, na fase final do campeonato, de jogadores que não tenham disputado qualquer partida na fase regular – protegendo o jogador português. Tratam-se, ainda assim, de passos curtos que têm de ser alargados num futuro próximo para conferir ao futebol de praia a dimensão que merece.

Projecção mediática precisa-se

Quanto à exposição da modalidade, tem de existir um trabalho de marketing no sentido de atrair um grande patrocinador que divulgue a realização de eventos em solo nacional, além de um envolvimento profundo das autarquias e dos canais de comunicação – que também têm a sua quota parte de responsabilidade na atenção concedida a uma modalidade estruturante no panorama desportivo português. Esta tem sido uma grande falha, responsável em grande medida pelo crescente distanciamento do adepto português em relação ao futebol de praia, por manifesto desconhecimento. Num campeonato que permanece refém das ausências de Porto e Benfica (cuja participação deveria ser encorajada, seguindo o bom exemplo do Sporting), o marketing deveria ser muito mais trabalhado por forma a suprir as carências supracitadas. Como contra-exemplo referimos o bom trabalho realizado pela Câmara Municipal da Nazaré, que conseguiu atrair para a sua praia em 2017 (e também as próximas edições de 2018) a Euro Winners Cup (maior competição de clubes da Europa) e uma etapa da liga europeia, tratando-se claramente de um exemplo a seguir.

Finalmente, estabelecendo a ponte com o que foi dito anteriormente, tem de existir um esforço conjunto no sentido de levar a que a modalidade deixe de ser vista como sazonal num país com condições ideais para a sua prática entre meados de Março e meados de Novembro, mas onde as competições oficiais se realizam de finais de Maio a Agosto.

O Sporting de Braga foi campeão nacional pela 4 vezes nos ultimos 5 anos [Foto: FPF]

Urgente: desporto jovem e feminino

Por último, lembramos o foco na formação. Este tem sido um capítulo totalmente ignorado, mesmo após as conquistas de 2015, uma vez que continua a não existir o foco nas equipas jovens na maior parte do país – um jovem que queira dedicar-se ao futebol de praia tem de esperar até poder treinar com uma das relativamente poucas equipas séniores em território nacional. Acções de formação como as levadas a cabo na Nazaré, pela ACD “O Sótão” ou a Academia Rui Delgado, na Figueira da Foz pelo Grupo Desportivo Buarcos, ou em Lisboa pelo Clube Futebol de Chelas, são raros exemplos de projectos concebidos a pensar nos mais novos, aos quais se juntará este ano o projecto de uma escola de futebol de praia do Sporting dinamizada por Madjer, a funcionar na Arena Bicesse (Cascais). Projectos pioneiros como estes saúdam-se e fazem falta ao futebol de praia.

Já na vertente feminina, as boas notícias são quase totalmente inexistentes, dado que os projectos pilotos realizados noutros anos acabaram por não ter continuidade e não existiu até hoje qualquer competição a nível feminino – um ponto em que Portugal perde claramente para as demais nações euopeias, como Suíça, Inglaterra ou Espanha. Felizmente, isso irá alterar-se este ano, com a fase final do campeonato nacoinal a integrar também uma vertente feminina. Resta-nos aguardar com expectativa que a iniciativa tenha sucesso e atraía o maior número de participantes possível, até porque a qualidade da jogadora portuguesa já ficou demonstrada noutras ocasiões, infelizmente efémeras.

Em conclusão, fazemos votos para que, tanto no futebol de praia como no futsal, a direcção dada ao desenvolvimento das modalidades seja a mais indicada, sempre na perspectiva do longo prazo e não numa óptica de relaxação ao sabor dos títulos conquistados.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS